sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

CLÍNICA, AFETO E ÉTICA







Preliminares ao tratamento psicanalítico do paciente deprimido


O que caracteriza a demanda dos pacientes com queixa depressiva?
Os pacientes se dirigem ao analista portanto uma queixa, e a partir dela, demandam uma medida que lhes poupe do trabalho do luto que os ameaça.
Um quadro aparentemente contraditório se revela. Uma parcela dos pacientes ordena seu sofrimento em torno a uma organização narcísica que, arranhada, mostra sua ferida. A demanda que então aparece é a de uma solução salvadora que os  leve a recuperar seu status quanto antes. Outros, quando se vêem frente à irredutibilidade de uma perda, mostram por antecipação o dano que, supõe, ela lhes traria.
               A depressão aparece como tentativa de evitar uma perda, e o trabalho do luto que está introduzido.
               É a partir do trabalho imposto pela vivência de perda que uma demanda de análise pode surgir. A constituição do paciente de uma demanda de análise implica a transformação da queixa de depressão, numa exigência de trabalho, uma experiência de perda. Porque, afinal, haveriam de trocar sua depressão pela angústia! Considerando que eles revelem um abandono ao gozo de um superego implacável, e que a transferência é quase sempre insuficiente pela peculiar posição do sujeito na depressão, ao mesmo tempo, que abraça o gozo, exclui o saber. A construção do raciocínio girando em torno da perda e do trabalho.
               O interesse não é o de estabelecer um protocolo a ser seguido e nem comparações entre terapias diversas, mas o de introduzir a peculiaridade da experiência analítica.
               A psicanálise se fundamenta na prática clínica na existência do sujeito como desejante. Na medida em que do desejo eles revelem sua negatividade, seu estaneamento, o que constitui para o analista.
               Necessita de análise aquele que sofre, as pessoas procuram uma análise para aliviar seus males, querem tratamento, se chegarem até a análise, é porque não surgiu outra alternativa.
Inicialmente o paciente quer livrar-se do mal que o acomete, e se conseguir sem fazer nada, jamais chegará a uma análise, existem pacientes que produzem cura para não se tratar.
              A tarefa inicial do analista no tratamento é constituir uma demanda de análise.

Da queixa ao sintoma


              No contexto histórico-cultural em que vivemos, com ofertas de curas rápidas, para qualquer mal-estar. Resta à psicanálise discutir a coerência dos argumentos que justificariam tais curas. Ex: Suprir o que lhe falta quimicamente. Curas químicas.
              A psicanálise está longe de ser apenas uma técnica terapêutica para neutralizar os subprodutos que do mal-estar na cultura advém, a psicanálise é um efeito histórico desse mal-estar, sua matéria prima seria ele próprio, e não quaisquer disfunções psíquicas, podendo ver essas perturbações como mal-estar e não como expressão de alguma patologia.
              Pessoas metabolizem de forma depressiva esse mal-estar na cultura. As exigências cobradas ao sujeito devem ser levadas em conta as queixas depressivas.
              A idéia que a clínica teria mudado decorre mais de uma confusão entre o que é o nível fenomenológico da apreensão de um problema clínico, e a sua fundamentação estrutural. Ex: pacientes que se queixam de estar deprimidos revelam-se histéricos ou obsessivos no decorrer de uma análise. A forma que eles se apresentam hoje é muito mais distinta, daquela que se apresentava à Freud. Segundo o autor hoje é uma época excelente para se continuar sofrendo, sofrer demais, mais, mais ainda, os sujeitos se submetem aos imperativos da mídia, do mercado da moda. No regime de servidão que então se estala, a figura do sofrimento depressivo pode perfeitamente se adequar, sintonicamente ajustada.
            Qual o lugar certo de colocar o desejo para se obter a felicidade? O cuidado de si torna-se controle (científico) de si, se sofrer demais é a única justificativa da psicanálise como prática terapêutica, a média engrandece o discurso da genética e das neurociências, as versões do mal-estar considerando sofrimento que concerne a uma subjetividade e não a um sofrimento psíquico.


Idealização, desperdício e perda

            Como fazer uma caracterização clínica dos pacientes deprimidos?
            Primeiramente podemos pensar no grupo daqueles que têm uma depressão queixosa, estes apresentam um traço bastante peculiar que pode ser denominado de “impossibilidade de perda”, ligado a perda do ego ideal. O que está em jogo, é a perda de um ideal que eles construíram a partir do narcisismo primário (dos pais). Estes sujeitos tentam a todo custo atingir um ideal impossível, e são levados cotidianamente a investir suas economias libidinais neste propósito, o que os faz desperdiçar numerosas oportunidades de superar o estado de inércia em que se encontram, por estarem presos a esta ilusão de completude. Verifica-se, assim, uma diferença entre desperdício e perda: os pacientes desperdiçam grande parte de suas vidas exatamente por não suportarem a perda. Ou seja, desperdiçam grande parte de sua libido tentando corresponder ao que foi idealizado para eles e não suportam a idéia de falhar em seu propósito.
            Feita esta diferenciação, pode-se concluir o que acontece muito freqüentemente na clínica: o que muitos médicos consideram como  depressão é a queixa que o sujeito enuncia. Em seguida, passa-se a tentar eliminar a queixa através de fármacos, e após algum tempo quando a queixa é suspensa admiti-se que esta suspensão ocorreu por uma alteração na essência bioquímica que seria neste caso, a razão de ser e fundamento da clínica.
            Ocorre diversas vezes que o diagnóstico de depressão se limita a uma queixa, e se veiculam estes casos como se fossem de melancolia. Outras vezes um quadro clínico que se dá no orgânico é diagnosticado como depressão. Discussões à parte,  a melancolia  possui um lugar bem definido e concluir que ela seja uma psicose levanta numerosas questões que precisam ser examinadas.  
           

Especificidade estrutural da melancolia


Seria a melancolia uma psicose? É necessário fazer alguns esclarecimentos antes de responder essa pergunta. Há toda uma tradição que nos leva a pensar na psicose com base na ocorrência de delírios e alucinações. Entretanto a posição paradigmática que a paranóia ocupa pode vir a confundir o que seria a psicose propriamente dita.
            A melancolia possui uma forma delirante, entretanto o delírio não é uma constante, e a maior  parte não o apresenta, pois os casos de “melancolia simples” são bem mais comuns. Neles predominam os problemas cenestésicos, a dor moral, a inibição psíquica e a abulia (perda total ou parcial da vontade), que constituem os principais sintomas.  É deles que procedem os problemas do conteúdo das idéias, o delírio.
            Para se fazer um diagnóstico é necessário que se faça uma distinção básica de três grupos de pacientes, a saber: os verdadeiros melancólicos, os queixosos de depressão e os pacientes neuróticos paralisados com o sentimento de culpa, pois para cada um é preciso pensar em formas e modos de tornar possível a análise para esses sujeitos. É importante salientar que, para qualquer análise ser viabilizada é necessário o endereçamento ao Outro, neste caso o delírio é de extrema importância pois se caracteriza como tal.

Metapsicologia da depressão não melancólica 
Os pacientes se descrevem como estando bem, mas na maior parte do tempo, por freqüência meses, sentem-se cansados, deprimidos, nada é desfrutável e portanto tem muito em comum com os conceitos de neurose depressiva ou depressão neurótica. Mas é importante perceber que a existência de depressão num neurótico não funda uma neurose depressiva. 
Sabemos, por experiência clínica, que um neurótico é incapaz de aproveitar a vida e ser eficiente. Incapaz porque sua libido não se dirige a nenhum objeto real e ineficiente porque despende sua energia para manter a libido  sob recalcamento e repelir seus assaltos. Sua libido acha-se então comprometida com seus sintomas, sua única satisfação substitutiva possível. 
O grande segredo da psicanálise é que não há origem ou desenvolvimento da mente ou da vida mental. Resta apenas que, como o problema clínico a que esse conceito se refere é de enorme importância e não pode ser desconsiderado, descartado o conceito, persiste o problema, e o que é criticado deve servir para abrir caminho para novos conceitos, uma vez superado o obstáculo epistemológico representado pela oposição endógeno/psicogênico. 
               Assimilar a dita neurose depressiva a uma depressão reativa é o passo mais curto para que em seguida se tome a esta como psicogenética, e ao seu tratamento como psicológico. A psicanálise se vê reduzida a um tratamento psicológico para problemas psicogenéticos. Os diversos tipos de padecimentos depressivos examinados não apenas apresentam mais diferenças ao nível metapsicológico que a eventual uniformidade de sua feição fenomênica levaria a pensar, como há que atentar para as distintas inserções que essas ocorrências têm das diversas especialidades que se dedicam a esse campo.  Segundo Freud, a metapsicologia,  visa a uma análise ontológica, isto é, apreender o ser, a essência, e o último fundamento dos fenômenos observáveis empiricamente como, por exemplo, a caracterização do id, como fundo essencial de todos os fenômenos instintivos e orientados para o prazer no pensamento, no sentimento, na ação. A clínica clássica mostrará seus frutos, ajudando a ordenar a apreensão da descrição das doenças e também sua sistematização da melancolia e do campo do padecimento depressivo. 
               Com base no que foi examinado, teremos a opção de resolutamente restringir o uso do termo depressão como categoria diagnóstica, circunscrever o uso da categoria melancolia aos casos caracterizados como uma verdadeira melancolia nos termos anteriormente discutidos e situar na distinção freudiana entre luto, luto patológico e melancolia e na tríade inibição, sintoma e angústia, o ajuste, a sintonia fina, que trará elementos para decidir a cerca de como proceder quando uma sintomatologia menos intensa ou atípica despertar dúvida. A decisão de restringir a utilização do termo depressão é uma decorrência natural. 
               Sua utilização, além de grandemente favorecedora de uma medicamentação indiscriminada, amparada na ilusão de especificidade que o vocábulo “anti” mediatiza, favorece também uma posição de acomodação ao paciente, dificultando-lhe o trabalho associativo e, ao analista, a escuta. Apesar do luto envolver graves afastamentos daquilo que constitui a atitude normal para com a vida, perde-se o apetite, acontece a insônia, a tristeza domina o quadro, mas jamais nos ocorre considerá-lo como condição patológica e submetê-lo a tratamento. Freud se pergunta por que sendo uma condição natural diante da perda, seu processo se faz de forma tão dolorosa. Mas pensando bem, percebe-se que esse aspecto misterioso do luto está em acordo com um aparelho psíquico que se constitui às expensas de uma insatisfação, de uma dor que nunca se extingue, põe-se no máximo em suspensão e de um campo alhures que se constitui o campo do Outro. Restringir o uso da categoria melancolia aos casos para os quais em ‘ Luto e melancolia’ Freud as emprega, e não utilizando-a de forma alargada, abarcante do conjunto dos acidentes depressivos, pode ser coerente com a restrição ou abandono do uso do termo depressão. Acentua Freud que os traços distintivos da melancolia e do luto decorrem da grave perturbação da auto estima presente na primeira que encontra expressão no auto-envilecimento e auto-recriminação e culminam com uma expectativa  delirante de punição. Conclui que há uma inibição e circunscrição do eu. 
               Este é um ponto reafirmado em "Inibição Sintoma e Angústia"- onde vai distinguir duas categorias de inibição do eu_ uma como defesa para não entrar em conflito com o supereu e outra como empobrecimento de energia. É assim que Freud tratará da dor do luto e a depressão se caracterizaria por esse desinvestimento. O que entra em causa é o campo do Outro o que Freud chama de desinvestimento do mundo exterior. Nesse mesmo texto aponta para um luto que ele classifica como patológico, aproximando-o da condição obsessiva, pelo conflito ligado à ambivalência objeta, que o prolonga excessivamente. A verdadeira subversão que a psicanálise opera reside no descentramento radical que produz.  Tirar da depressão uma razão bioquímica para a ela conferir uma razão psicológica seria tão revolucionário quanto destituir  Deus do centro do universo para, em seu lugar, colocar o Rei Sol. Freud diz que no universo do sujeito, o centro é ocupado por um buraco, o famoso objeto perdido. Diante dessa falta que é constitutiva e não contingente, o neurótico tentando recobri-la, oscila entre culpa e depressão. A clinica não possui a transparência de um livro aberto nem a rigorosa arrumação de quadros e formas que encanta aos botânicos e aos estudiosos da natureza. O importante é manter as referencias freudianas como balizas  para o entendimento. Elas ensinam a ver as diferentes manifestações afetivas que ocorrem nas diversas estruturas clinicas como advindas das relações completivas existentes entre as instancias psíquicas. A depressão, assim, aparece não sob forma de uma entidade nosológica, mas como um afeto transestrutural, devendo ser, caso a caso, verificado, o que permitira esclarecer o que o suscitou. O afeto depressivo que se produz é diferente da tristeza, bem como da melancolia stricto sensu. São manifestações depressivas em sujeitos com estrutura neurótica produzidas sob transferência, e que não se resumem às oscilações maníaco-depressivas próprias ao tratamento, possuindo por vez uma densidade que se torna fácil de ser enfrentada quando são bem mais entendidos. Com a finalidade de esclarecer esses distintos regimes de funcionamento psíquico no que diz respeito ao padecimento depressivo, parece ser imprescindível ter presente a distinção entre sintoma, inibição e angustia e a indagação acerca do estatuto do sujeito na sua relação com o desejo do outro. 

 A Psicanálise e a Droga

           
Na busca sobre a contribuição do produto medicamentoso no tratamento psicoterápico que vamos encontrar, através de depoimentos de pessoas adictas, esclarecimentos que mostram e afirmam os estudos deste texto. Pois nem sempre o uso destes medicamentos possibilitam uma direção que permite estabelecer um tratamento analítico.    
        
            Muitos são os profissionais que procuram difundir estes medicamentos como processos facilitadores psicoterápico, porém, os utilizam, como inibidores, que impedem a ação do paciente em direção a psicoterapia, levando o sujeito a permanecer debilitado, em um estado de alienação, que não o permite posicionar quanto ao seu tratamento, como podemos observar na fala deste depoente. “... estava me tratando com psicólogos e psiquiatras do HUAP, quando recebi uma dosagem tão forte de psicotrópicos que desfaleci, não vi mais nada, quando acordei estava no HPJ, com a mente muito confusa e ouvindo as pessoas dizerem que eu estava ali para desintoxicar das drogas. No entanto, todos os dias eu era obrigada, por meio venoso, receber novos medicamentos que me deixava lesa, sem nenhum autocontrole, tirando me qualquer possibilidade de escolha ou de atitude que precisasse tomar, quanto ao meu tratamento”.

              Segundo Freud, (l938) no futuro a química, encontraria forma para influir sobre a quantidade de energia e da sua distribuição no aparelho psíquico.

            A demanda terapêutica que o analista recebe do paciente possui duas possibilidades, uma de afastar a idéia de que a síndrome esteja em relação ao orgânico, como uma patologia orgânica, cujos sintomas apresentam um quadro psíquico. Essas dificuldades que surgem não devem impedir o estabelecimento do processo terapêutico e nem mesmo se restringir a simples elucidação diagnóstica. É importante que o analista esteja certo de que o diagnóstico se faz na transferência, possibilitando-o um andar seguro na direção de um estabelecimento analítico.  A segunda posição do analista fundamenta-se na distinção nosólogica, à medida que pode se informar dos passos que serão necessários para chegar com segurança a um resultado que atenda as expectativas tanto do analista quanto do analisando que o processo analítico virá a propiciar.

            As questões relacionadas à depressão e a melancolia situam o analista entre o biológico e o simbólico, em que há um privilégio temível pelo fato de encontrar dois tópicos recalcados pela psicanálise: A questão do corpo (l920) em que a psique é puramente representacional, e a questão do afeto, questões estas que não devem ser consideradas como objetos  eclético e pouco rigoroso. Faz se necessário que o analista no processo de sua escuta observe as variáveis que comparecem como sintomas e suas causas. Considerando por exemplo, que o baixo teor da vitamina no organismo, a anemia e a virose ocasionam abatimento que se confunde com a depressão, levando muitas vezes, profissionais pouco preparado, a realizar diagnóstico estereotipado, deixando o paciente preocupado como se “tudo” fosse depressão.

            Quando a psiquiatria fala em integração, há divergência nas concepções que tentam furtar o fato de haver pontos de junção entre os diferentes discursos. Na própria base da idéia de um tratamento integrado, está a suposição de que somando Res cogitans e Res extensa se comporia à totalidade sem furo, idéia que não deve ser aceita, a psicanálise fala de um furo que pode ser visto como uma falta que nunca é satisfeita, ou seja,  uma falta que não se pode completar. Considerando os aspectos psicológicos, estas junções, costumam ser compreendidas como adaptação do sujeito ao regime da droga. Para a psiquiatria a combinação psicoterápica mais medicação é vista como forma eficiente a qualquer dos dois instrumentos separados, no entanto, este pensamento sem consistência teórica é que a coloca em crise, permitindo um trabalho reflexivo que a questiona e a deixa em posição de insuficiência para dar conta do problema. 

Segundo Kraepel, a aparição de efeito-sujeito anda em direção contrário a química, pois ela diz respeito ao sujeito daquela experiência e não ao efeito organísmico. Mas também não quer dizer, conferir significações à depressão de um determinado sujeito, pois dependerá de um exercício exterior, que é explorado pelos misticismos religiosos e algumas literaturas.

            Outro aspecto importante é a ação dos fármacos quando oferecido ao paciente, há a infusão do ego ideal, que o poupa do trabalho psíquico que o faz perceber e dar conta daquilo que perdeu e o atormenta. O sujeito busca na droga a verdade que está encoberta. É uma produção egóica de um ideal que o faz sentir-se satisfeito e completo. Dizia P. em seu depoimento “... eu só pensava na droga, estava dominada pela droga, me sentia o MÁXIMO, acreditava que podia TUDO e não respeitava ninguém. Acreditava que a droga me daria o prazer que eu buscava e a autonomia para as realizações dos “desejos” que a droga imprimia em mim”. Freud fala sobre a psicologia do ego e do superego e de sua origem nas mais antigas relações objetais do sujeito, e dos sentimentos de culpa como problemas no seu desenvolvimento.
Existe diferença entre o antidepressivo e a química inativa, o primeiro possui algo que o faz gozar, que é introduzido na corrente sangüínea do sujeito. Não podendo desconsiderar que o uso dessas medicações poderá ocupar o lugar específico da terapia, aliviando a dor que o faz sofrer.

            Estes pacientes, em primeiro lugar, instituem a experiência da perda, que possibilitam tornar-se a análise. Na depressão o sujeito já vive pela perda, em um trabalho de luto que o leva a uma elaboração que implica naquilo que ele perdeu, embora, não saiba o que se perdeu, mas que o leva a outra perda para chegar a uma saída, dependendo tanto do analista como do analisando. Pela fala do depoente percebe-se que há uma perda, e que esta se torna tão patente para ele, que é quase impossível de descrever. Quando ele diz: ‘...eu perdi a felicidade, pois estava manipulada pela doença, perdi tempo, não tinha tempo para minha família e nem para mim mesmo. Perdi meus sentimentos, estavam anestesiados, perdi o amor próprio, fazia coisas que não queria, eu não tinha limites; perdi o controle das minhas emoções; perdi a minha dignidade; perdi tudo e agora me encontro aqui na esperança de mudar tudo isto. Sou um adicto e preciso repensar-me, rever os valores. Será preciso perder mais alguma coisa?

            Estas declarações confirmam que o drogadito precisa se implicar na relação com o analista, de tal forma que possibilite a intervenção psicoterápica. No entanto a ingestão de drogas não o permite decidir, ao contrário à proposta médica, dificulta mais sua capacidade de resolução. 
            Muitos analistas, neste momento não conseguem suportar a escuta de um deprimido, pois será necessário tempo para que surjam as condições transferenciais básicas para que se possa funcionar como agenciador da perda, em um trabalho de escuta e de um falar lento. E o analisando precisa se dispor ao tratamento no qual lhe é oferecido, como promessa de cura, que poderá seduzí-lo sem garantia de chegar a uma totalização. A psicanálise trabalha, em direção à destituição subjetiva, que o sujeito muitas vezes, prefere conservar consigo a depressão a aceitar a proposta de tratamento que são os fenômenos mais verificados.

O analista precisa estar preparado para se deparar, com a ocorrência de descentramento da inércia depressiva que impossibilita a pessoa e a faz operar como trabalho psíquico suscitando grande angústia. Para Lacan (l959) “... não é preciso ser médico ou paciente, para saber que quando alguém nos pede algo, isto não é igual ou até oposto, àquilo que deseja”. Carta da mãe do depoente que diz: “... por favor, alguém me ajude... eu brinco, passeio tentando divertir-me, porém, somente eu sei o que  estou sentindo por dentro, perdi mesmo à vontade de viver, perdi minha auto-estima, não consigo confiar em quase ninguém, não consigo ter paz dentro de mim”. Neste texto a mãe pede socorro, mas ao se apresentar ao analista, mostra-se estar tudo bem. Um paciente que chega portando uma insatisfação de seu desejo não sabe que seja qual for a insatisfação, o desejo não é satisfeito e a psicanálise poderá lhe mostrar que a insatisfação do desejo é que o viabiliza para uma formulação da meta que ali onde estava a depressão, o desamparo, advenha o sujeito, “eu como sujeito devo advir”.

Psicoterapia Psicanalítica: Uma prática farmacêutica?

            Há uma disjunção entre o fármaco e a química. Nem todo fármaco é originário da química, por isso , além do afastamento do maniqueísmo simplista, pode-se notar dois desdobramentos fundamentais: o de permitir pensar o uso da droga com vistas a instrumentalizar a análise ( como o pano vermelho do toureiro) e, o de permitir pensar a psicanálise como fármaco.
            Um segundo aspecto, poderíamos perguntar se que se podemos ratificar a afirmativa de Freud que, a química interferindo na fonte da pulsão curaria a neurose? O que está em questão não é a concordância ou a discordância, mas como nomear um sintoma através da interpretação.
            Freud insistiu na confiança de que, para que a psicanálise efetivamente funcione, ela tenha que intervir na química do sujeito, incidindo na química libidinal, cuja ação Freud  chama de efeito químico do fantasma.  Graças aos conceitos psicanalíticos,pode-se entender tanto o efeito tóxico da neurose quanto  o efeito farmacêutico da psicanálise.
            Nova pergunta: O fármaco é o objeto que falta ao paciente? Entendo que não, pois por causa do complexo de castração, o sujeito é excluído do acesso direto ao objeto. Com isso , desbancando a razão depressiva, pode-se esclarecer que  não há felicidade pronta nem felicidade produzida pela química, embora através da religião, da droga, entende-se que possa ser um substitutivo do fármaco.
            O que a razão depressiva tenta fazer? Encontrar na química a razão universal que funciona como referente fisiológico do problema clínico estudado.
Aqui vale a lembrança da anotação de uma de nossas aulas:
            “O amor narcísico nasce em mais ou menos dois anos de idade de uma pessoa, por isso buscamos o complemento sempre. A ciência não pode ter algo que ela não explique, por isso ela se torna alternativa de completude, onde se tem uma falta, a perda do sujeito amado, se vai complementar com o fármaco.”
Enquanto se pensou nesta solução para a felicidade, a psicanálise tem uma posição oposta: pois esta reconhece que Sá há um método do sujeito ter acesso às felicidade, através da capacidade de inscrever a pulsão e não ao organismo como um todo. Isso vai depender da possibilidade do sujeito efetuar a transferência na terapia. Somente uma com uma aposta transferencial  é possível concluirmos de  modo correto a singularidade do sujeito.


O afeto Depressivo


            Pode-se ver de duas maneias ao ato depressivo: Seu uso como substantivo,a palavra que define uma entidade clínica. Seu uso como adjetivo, aponta para algo do que o sujeito está padecendo de depressão. Podemos pensar a depressão como o luto de um objeto perdido? Se podemos pensar assim, isso representaria também a interrupção  do que seria completude original, que por sua vez seria inerente ao ser humano, como se perde um objeto. Quanto ao horizonte afetivo da depressão, é a tristeza o eixo onde a depressão se organiza? Não exatamente. A melancolia é uma tristeza peculiar segundo Scheler. A melancolia é identificada no diagnóstico e não por quem tem a melancolia. É importante diferenciarmos a melancolia sob um conceito mecanicista para um estado de alma.




depressão: grau zero do desejo?

Os pacientes depressivos referem-se a depressão como falta de um desejo, como se tivessem sido abandonados pelo desejo, o que de fato ocorre é o abandono do seu objeto de desejo.
Na psicanálise o não desejo se expressa pelo desejo de não desejar que surge como uma proteção narcísica, uma vez que o sujeito sente-se ameaçado pelo abandono do seu objeto e envolvido pelo medo de perder mais alguma coisa. Esse abandono ao outro que se foi tem uma função defensiva, não no sentido freudiano, mas de certo modo protege o sujeito, colocando-o na posição de vítima.
É preciso entender a depressão num sentido ativo, uma ação ou conjunto de operações que consiste em exercer uma pressão sobre alguma coisa no sentido de a abaixar para fazê-la descer de nível.
Na produção freudiana a depressão é concebida como um desinvestimento do mundo exterior e não como um afeto. Porque no paciente depressivo não melancólico e não enlutado acontece o desprezo pelos vivos? A via de inibição não seria o suficiente para explicá-lo.
Para Lacan o sentimento é um modo de recobrir, através do sentido, a questão do afeto, um modo de fazer sentido. A posição do analista seria procurar a verdade do afeto, o que foi recoberto, o que permite tanto ao analista quanto ao paciente não ficarem paralisados na depressão.
Na análise todos os afetos existentes aparecem, a angústia pode ser o principal dos afetos, porém não significa que seja o único. A possibilidade de abrir passagem aos outros afetos estará na dependência de como o sujeito mobiliza sua relação ao Outro.
A clínica mostra para a condução do tratamento como é importante saber dosar a angústia e avaliar a força e a desesperança depressivas.


Bibliografia


Mal Estar da Civilização - Das Obras Completas de Freud
Cartas de depoimentos de adicto em fase de tratamento em clínica especializada.

Carta de mãe do depoente ( todas as cartas foram autorizadas).

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